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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Deixem-me ser feliz, ora.


Hoje acordei e fiz algo diferente. Resolvi contar ao mundo, via “Face Book”, que estou profundamente feliz. Nem estou, SOU profundamente feliz. Dei bom dia ao povo do bem e ao povo do mal, aos vencedores e aos vencidos, não deixei escapar ninguém, queria abraçar a todos.

Atribuí tanta felicidade à minha família. Disse até que fico constrangido de ir às ruas, ostentando minha felicidade, e de repente, deparar-me com amigos e outras pessoas tão tristes, cabisbaixas, taciturnas, diante da vida que explode em emoções a cada segundo. Alguns nem falam, murmuram quase à força. Sei que deve ser difícil, mas levanta a cabeça, força um sorriso, e finge alegria...

Uma amiga virtual entrou e postou que tem uma amiga real que enterrou um filho ontem assassinado pelo maldito mundo das drogas e como ela, tem milhares de pais neste instante chorando a perda de um filho e esses não tem como fingir alegria ou forçar um sorriso. Por isso eu disse que deve ser difícil, mas conclamei: levanta a cabeça, força um sorriso, e finge alegria. É a tentativa da superação.

Troquei a vida no Rio de Janeiro, para morar no interior do Ceará. Muitos devem achar que fiz uma má troca. Foi maravilhoso. Tenho aqui a alegria, a felicidade de poder ajudar de forma mais direta os que sofrem e precisam. A miséria é grande, maior que lá.

Encontrei, como lá políticos corruptos, explorando a miséria do povo. Denunciei. Teve que devolver dinheiro aos cofres públicos. Sofri por isto, dois atentados à bala.

Entre outras coisas, fundei aqui na cidade uma unidade da Pastoral do Menor. Durante cerca de 10 anos trabalhei com crianças e adolescentes em situação de risco. Seres que a sociedade atira ao lixo. Vi passar ali, perto de três mil jovens com problemas diversos, alguns drogaditos, outros prestes a entrar no mundo das drogas, do crime, em uma estrada sem volta. Impedi esta caminhada da maioria. Hoje os vejo adultos, casados, com filhos ao colo, trabalhando e me envolvendo com um abraço agradecido.

Poucos foram os que não nos ouviram. Estes são presos pela polícia ou mortos pelo tráfico. Lamento muito por eles, mas isto não vai turvar minha felicidade, o “estar de bem com a vida”, até porque, diante daquele corpo jovem e inerte, no meio da rua, posso ver que a sociedade não fez nada por ele. Mas sei o que fiz. Sei o quanto fiz.

Fico feliz de ter feito minha parte. Agora, deixarei de ser feliz porque o perdi? Porque ele morreu? Ele fez sua opção. Fiz a minha: ajudá-lo a vencer. Perdemos. Mas estou feliz por ter feito.

Deixei a Pastoral do Menor, ligada à igreja católica, quando a pedofilia entre muitos de seus sacerdotes e auxiliares, havia passado dos limites. Optei por defender as crianças e adolescentes abusados sexualmente, mesmo tendo que lutar contra a força de uma igreja. Para isso fundei o Cedeca – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Itaitinga. Já lá se vão também uma dezena de anos. Defendendo na justiça o direito violado dos pequenos. Recebendo adolescentes infratores para o cumprimento de penas de liberdade assistida e ajudando-os a se reintegrar à sociedade que os baniu. Êxito total com a grande maioria. Poucos não nos ouvem e persistem no caminho errado. Ainda assim fico feliz por estar disponível e com saúde para ajudá-los. Se não querem ajuda, tombarão bem ali. Mas isso não me desviará do caminho, e prosseguirei em busca de outros que possam ser reencaminhados. Com a mesma alegria. Sou feliz por poder fazê-lo.

Presido em minha cidade o Conselho da Comunidade da Comarca de Itaitinga, uma entidade que acompanha a execução penal. Recebo egressos dos sistema prisional, praticantes de todos os tipos de crimes. Voltam à sociedade em regime aberto e semiaberto. Sou o primeiro a ter contato com eles para fazer um trabalho que a sociedade não quer fazer. Acompanhar a execução penal significa vigiar para que ele passe o dia trabalhando e à noite recolha-se a uma casa de egressos. E se ele não voltar? Denunciá-lo para que se faça a regressão ao sistema fechado. Perigoso? Não. É saber trabalhar, saber conversar. É mostrar que esta é minha obrigação social, e que espero não ter nada a denunciar. Faço visitas de inspeção em presídios e cadeias públicas (foto) em todo o Ceará, para que o preso tenha tratamento digno e humano. Vejo ali o pior da miséria humana. Mas entro ali e saio cada vez mais feliz, por estar fazendo a minha parte para melhorar o sistema.

Alguns, minoria, caem novamente no crime. A imprensa faz um estardalhaço tão grande que parece até que a maioria regride. Não é verdade. Passam a exigir pena de morte, para homens que cumpriram a pena e que realmente querem uma oportunidade que lhes continua sendo negada. Luto para que tenham esta oportunidade e sou feliz por fazê-lo, embora não tenha visto ainda resultados.

Bandidos engravatados, no congresso nacional, exigem a redução da idade penal para 12 anos. Conseguirão. Nossos meninos empobrecidos e negros, sem acesso à saúde, ao serviço social, ao lazer e a educação, serão presos pelo simples roubo de qualquer coisa sem valor. Mas nossos parlamentares continuarão participando de toda sorte de falcatruas e livres, porque têm dinheiro e poder. Brigo contra a redução da idade penal, mas não perco o humor. Se ela vier, teremos que conviver com ela, mas como dizia Guevara “sem perder a ternura jamais”. Estaremos felizes, porque lutaremos ainda contra este sistema perverso.

Na minha postagem feliz de hoje, a amiga termina me dizendo: “A dor não é sua, mas você chora, não só por solidariedade, às vezes pela consciência de saber que poderia ter feito alguma coisa que amenizasse e não fez." Pois é minha amiga, lamento informá-la que nunca vou chorar por saber que poderia ter feito e não fiz. Eu faço!

Sou feliz porque faço. Ando rindo à toa, mesmo quando alguns sucumbem por se utilizarem do livre arbítrio. Mas eu avisei, tentei e serei feliz sempre. Pode ser que haja alguém que faça como eu, não mais do que eu.

Então, que me desculpem, mas comecei assim o dia e vou terminá-lo assim. Desculpem por repetir, mas: "Bom dia meu povo, minha pova, gente do bem e do mal, bom dia vencedores e vencidos! Confesso que estou em um dos períodos mais felizes da minha vida. Minha família me faz assim".

Foto: Estou inspecionando alimentos na cozinha da Cadeia Pública de Quixadá – CE.

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