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terça-feira, 26 de abril de 2011

Emília


Trabalhei algum tempo como voluntário em uma instituição de defesa de crianças e adolescentes, presente em todo o Brasil. Para unificar sua maneira de ação em todo o País, tínhamos reuniões periódicas, quando se reuniam todos os agentes dos diversos estados da federação.
Uma delas foi em Ouro Preto – MG. Não era muito comum sair de casa, para uma viagem sozinho, sem a família. Mas a esta tinha que ir. Enquanto assistia minha mulher fazer minha mala, respondia perguntas de minha filha, então muito pequena e sem entender porque eu tinha que ir.
Mala pronta, na cadeira, seria fechada no momento da saída, pois poderia estar faltando algo. Repentinamente, chega A pequenina e coloca na mala uma de suas bonecas de pano, a Emília, personagem de Monteiro Lobato, no Sítio do Pica-Pau Amarelo. A Emília e suas roupinhas nada extravagantes, em vermelho e amarelo, com os sapatos um de cada cor.
Ainda tentei tirá-la dali, mas a mãezinha da boneca protestou. Esfregou a boneca na barriga e no rosto e disse que ela iria viajar, para eu não dormir sozinho, não ter saudades e sentir o cheirinho dela todas as noites.
Assim a Emília embarcou comigo e conheceu Ouro Preto. Lá fomos para um colégio que tinha grandes e confortáveis alojamentos. Recebi a chave de um apartamento e para lá me dirigi. Eram duas camas de solteiro, mas apenas eu estava lá. Abri a mala, coloquei a Emília sentada no meu travesseiro, sobre a cama. Peguei a toalha e fui tomar banho. Ao sair do banheiro deparei-me com um companheiro de quarto que acabara de chegar. Era um agente voluntário da entidade, vindo do Rio Grande do Sul.
Não preciso falar da cara de surpresa do gaúcho, que vira a boneca e em seguida me vira sair do banheiro. Só faltou dizer “o que é isto, Che? Tu és cearense e o povo fala é de nós, os gaúchos? Bah!”

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Falando em futebol


Desde já deixo claro, que não sou chegado a futebol. Prefiro vôlei, que jogava na escola, no trabalho, na praia. Hoje, se posso, assisto o vôlei na TV.
O futebol de antigamente ainda valia a pena. As copas de 58 e 62, acompanhei pelo rádio, não havia TV. A de 66, ouvi pelo rádio e dois ou três dias depois de cada jogo o víamos na TV, pois o vídeo tape chegava em voo da Varig. A coisa foi melhorando e já podemos assistir as copas ao vivo na TV.
Mas deixei de assistir quando fui paulatinamente percebendo que nossos craques (não leia crack) já não jogam com alma. A fama e o dinheiro, quase sempre euros, não os deixam mais jogar como o faziam. Hoje as grandes estrelas jogam quando querem, esnobam os torcedores, se envolvem em escândalos com travestis, drogas, crime organizado.
No tempo em que ainda curtia futebol, torcia pelo Botafogo de Mané Garrinha, o maior jogador de futebol brasileiro de todos os tempos. Depois, bem depois, já por puro protesto, passei a torcer no Rio de Janeiro, pelo América F.C. Fui vê-lo no Maracanã uma única vez, convidado pela diretoria e assisti, no gramado, a final da Taça Campeão dos Campeões, quando ele enfrentou e derrotou o Flamengo. Festa, grande festa, com muito chopp na Campos Sales, Tijuca.
Depois vim para o Ceará. Aqui encontrei um grande número de torcedores do Flamengo, Palmeiras, Corintians, São Paulo. Uns pouco que torcem Fortaleza ou Ceará. Perguntam-me sempre qual o meu time, e quando afirmo que não torço por nenhum, que não gosto de futebol, olham para mim com cara de grande espanto.
Passei a ver que torcer por um time é quase obrigação. Pesquisei e escolhi meu time. Hoje sou torcedor do Íbis, em Pernambuco. O time não ganha de ninguém, não causa sustos, o torcedor não se zanga, pois já sabe antecipadamente que ele ficará de fora, sempre. Não tem estrelas para prometer o que não será feito. O time assume-se como “o pior time do mundo,” o que não sujeita seus torcedores a gozações. E, agora, se me perguntam, já respondo que sou torcedor do Íbis Sport Club, o que encerra o assunto, sem espanto.
Por falar nisso, tenho uma amiga em Recife, que me prometeu uma camisa do Íbis há mais de um ano, hora de cobrar.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Mundo globalizado

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Nos meus tempos de escola, toda a garotada colocava apelido nos outros. Sofriam os gordos, os magros, os feios. Meus pais orientavam:
finja que não liga e eles não continuarão
Sempre fizemos assim, meus irmãos e eu. Ninguém se traumatizou. Os tempos passaram, e os psicólogos escolares importaram dos Estados Unidos da América, o termo “bullying” para definir o que eles já chamam de graves agressões ao ser humano em formação.
Naquele tempo, um gordinho perseguido pelos colegas, fingia não ser com ele, ou trocava tapas com alguns e estava tudo terminado. Hoje, o gordinho se enche de complexos e passa a frequentar um consultório de psicologia.
Importamos os maus exemplos do país do Norte. O termo “bullying” e tudo o que veio com ele, foi um exemplo disso. Podia ter ficado por lá, e continuaríamos ensinando a nossas crianças a fingir que não era com elas.
Mas pior do que isto foi a importação do “serial killer”, indivíduos que cometem uma série de homicídios com um intervalo entre eles, durante meses ou anos, até que seja preso ou preferencialmente morto. Tivemos recentemente em São Paulo, o Monstro do Parque que atraía mulheres para um parque sob o pretexto de fotografá-las e as matava após o abuso sexual.
Outro tipo monstruoso é o que lá, no país do Norte invadia universidades e escolas, para matar grande quantidade de alunos e professores. A globalização já trouxe isto para cá. O jovem Wellington entrou na escola municipal em Realengo e matou 12 adolescentes, número que pode aumentar, pois ainda há feridos em estado crítico nos hospitais. Neste tipo de crime, ficamos entre os 10 maiores. História triste.
O alvo de toda esta atrocidade na escola de Realengo, foram crianças e adolescentes empobrecidos, de uma escola pública municipal na periferia do Rio de Janeiro. Crianças e adolescentes frágeis, cheios de sonhos, tentando sobreviver numa sociedade que não lhes dá vez nem voz. E, no entanto, eles são os construtores de uma nova sociedade, são construtores de sua história. Eles têm um potencial junto com o povo oprimido, de fazer ruir esta estrutura desumana. Eles nos ensinarão que “as estrelas são do povo”.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A lua e eu


Mês de julho. Noite de lua cheia. Eu, na fazenda, saí a vagar sem rumo pelos caminhos estreitos e tortuosos, iluminados apenas pelos raios pálidos e dourados da eterna lua.
Perdido na imensidão da fazenda, meus pés caminhavam pelo barro molhado, enquanto minh’alma vagava pelos doces caminhos do sonho, mais perdida lá, do que eu naquele bosque.
Ouvia-se somente, além do vento, que provocava nas árvores um farfalhar de folhas ao balouçar dos galhos, o coaxar dos sapos na lagoa, grilos e corujas à beira do caminho.
Era uma noite, não sei se triste ou alegre, mas com certeza, imaginada pelo Criado, para o amor. Alguns pássaros noturnos deviam achá-la bem alegre, porém eu a sentia triste.
Andei, fitando a lua, por quanto tempo não sei. Ela sempre à minha frente, quanto mais eu andava mais ela se distanciava, e parecia chamar-me. Eu, como que apaixonado, ou atraído por aquele mudo apelo, cedia ao seu chamado, e caminhava.
De repente, e como, não sei explicar, um clarão apareceu no horizonte, atrás de mim. À minha frente, a lua abaixava entre as folhagens, lentamente... Logo após, eu já não a via, e o sol iluminava os campos.
Voltei para casa, cansado, e mais triste ainda que quando partira. Deitei-me e pensei em meu passeio. Eu vira, durante a noite, o céu e suas estrelas, os montes e suas vegetações, os caminhos que se encontravam com outros caminhos. Tudo com seu par, só eu a vagar sozinho. Eu, com uma lua distante... Por quê? Adormeci. Adormeci e sonhei... Com que? Sonhei talvez que era um astro, somente para no espaço, encontrar a lua e desvendar seus segredos.
O certo é que somente à noite resolvi outra vez passear, para admirar a lua, em sua paz, sugerindo o amor.
Mas outra vez saí sozinho, a ouvir a voz da natureza, e o triste e mudo apelo da solitária lua.
E estávamos sós... Eu e a lua.

Rio de Janeiro, 1965.
Publicado no jornal estudantil Repórter Eça, do Colégio Estadual Eça de Queiroz

sexta-feira, 1 de abril de 2011

CONSELHO TUTELAR, ESPAÇO DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA


Esta matéria é antiga, mas nunca tão atual. Foi publicada no JORNAL PORTAL BRASIL À época eu já era ex-conselheiro tutelar em Itaitinga, era membro ativo do Conselho estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente no Ceará – Cedca/CE e um dos coordenadores da Pastoral do Menor Regional NE 1/CE. Conheça o JORNAL PORTAL BRASIL em (http://www.jornalportalmpbrm.blogger.com.br/2004_06_01_archive.html).

A Lei Municipal que criou o Conselho Tutelar de Itaitinga, vergonhosamente proposta pelo executivo, aprovada pelo Legislativo sem pudores, e aceita pelo Ministério Público, o fiscal da lei, sem nenhum comentário de desaprovação, envergonhou os cidadãos conscientes do município, alterando de forma inconstitucional e desavergonhada o processo de escolha dos conselheiros tutelares, comprometendo com isto a própria missão do conselho e colocando em risco a Democracia, o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente e os próprios interesses da criança e do adolescente.

O ponto crítico da lei foi o artigo que possibilitou transformar o processo de escolha dos conselheiros em uma grande e cínica estratégia político-partidária visando fortalecer o poder político municipal. Esta lei possibilitou em um dos seus artigos, que não pudessem ser candidatos os cidadãos que estivessem filiados a partidos políticos. Ora, a Constituição Federal permite a todos o livre direito de associação, e a lei municipal insurgiu-se contra a Carta Magna, diante do silêncio daqueles que deveriam guardar-lhe e proteger-lhe a integridade.

Violada a Constituição Federal, silenciados seus guardiões, os chacais da noite puseram-se à vontade para executar o restante de seu macabro plano. O tal artigo da lei, passou então a ser aplicado, apenas, para os filiados aos partidos de oposição. Nunca foi o mesmo aplicado aos candidatos filiados aos partidos da situação, vide o caso do ex-vereador Ednardo, filiado a um dos partidos da situação e que não encontrou nenhum obstáculo para ser candidato, vencer e tornar-se conselheiro tutelar.

Defendendo os interesses da situação, nunca se pressionou, nem de forma sutil, os conselheiros escolhidos, para que se afastassem dos cargos públicos que ocupavam, ou mesmo de empresas privadas, como exige o ECA, permitindo-se aos aliados políticos, e somente a eles, que permanecessem nos cargos públicos que ocupavam, recebendo do poder público salários de funções acumuladas. Foi o caso de muitos que eram funcionários da Secretaria Estadual de Segurança Pública, do Fórum, das Secretarias Municipais, que nunca tiveram que optar por um dos salários, recebiam os dois. Mas... Se o servidor público era homem de oposição, tinha que optar sim, para ficar com um dos salários, mas tendo que trabalhar no conselho tutelar e na escola de origem, amargando a transferência para uma escola da periferia, impedindo-o de fazer seu trabalho no conselho tutelar.

A lei municipal fixa horários de funcionamento do conselho tutelar, como prevê o ECA. O horário especificado é de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas. Mas para cumprir a jornada nos locais de origem dos servidores públicos, resolveu-se à revelia da lei municipal, fazer-se uma escala de trabalho do conselho tutelar, pela qual cada conselheiro dava no conselho um plantão semanal. Apenas um plantão semanal, contrariando a lei municipal, diante do silêncio de todos aqueles a quem cabia fiscalizar e aplicar a lei. A certeza da impunidade era tanta que o conselho tutelar chegou a imprimir um cartaz especificando os plantões semanais de cada conselheiro, e fixá-lo na porta do Fórum!

Crianças e adolescentes morriam por diarréias, pneumonias e outras doenças evitáveis. Faltavam tratamentos e medicamentos gratuitos. Morriam por fome e desnutrição, enquanto faltava merenda escolar. O hospital não fazia a identificação papiloscópica ou o teste do pezinho, nem colocava para atuar a Comissão de Prevenção aos Maus-Tratos. Aumentavam os índices de mortalidade infantil, de repetência e evasão escolar, mas o Conselho Tutelar alegava que o plantão semanal, onde cada conselheiro trabalhava apenas um dia por semana, era o caminho certo porque não havia em Itaitinga uma demanda que justificasse o trabalho de todos. E as autoridades, a quem cabia fiscalizar e aplicar a lei, permaneciam caladas.

No Ceará, a deputada estadual Tânia Gurgel, presidente da Frente Parlamentar pela Criança, afirmou recentemente que "compreender a missão dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, e dos Conselhos Tutelares, pressupõe aceitar que essas instâncias ao serem criadas pela legislação tiraram do poder público uma série de atribuições e tarefas. Essa inovação trazida pela legislação exige mudanças de postura, pois tirar poder não pode induzir a correlação de forças entre o poder público e a sociedade. É preciso - conclui a deputada - que se transforme a perspectiva de perder poder em ganhar aliados e cúmplices nessa incessante luta pelos direitos de crianças e adolescentes."

O ECA está a caminho de completar catorze anos, e o povo parece não ter percebido ainda, que o maior bem que ele nos trouxe, foi a possibilidade da participação popular nos conselhos tutelares e no de direitos de crianças e adolescentes. É a democracia participativa, instituída pela Constituição Federal e que o ECA, Lei Federal 8069, regulamentou. Foi instituída a participação popular nas instâncias administrativas, mas o povo não percebe isto e o poder público não o esclarece com medo da perda de poder.

Até quando, assistiremos calados e impassíveis, o que vem acontecendo nos conselhos tutelares do Ceará? O Conselho Tutelar de Fortaleza foi escolhido em meio a muitas denúncias de fraudes. O conselho tutelar de Fortim fechou no ano 2000, após um longo período em que os conselheiros trabalharam com os mandatos vencidos. Hoje está regularizado, mas os novos conselheiros escolhidos trabalham sem remuneração! Em Independência o mandato dos conselheiros tutelares venceu, mas foi prorrogado por outro período. Está vencendo novamente, e já se quer prorrogá-lo, outra vez, alegando-se a impossibilidade de eleições no conselho em ano eleitoral. Em Camocim, o mandato venceu, mas foi prorrogado por um ano! Em Itaitinga, o mandato venceu e servidores do Fórum local foram nomeados para as funções de conselheiros tutelares.

Até quando assistiremos impassíveis a este descalabro, a esta violência contra a democracia?