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sexta-feira, 1 de abril de 2011

CONSELHO TUTELAR, ESPAÇO DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA


Esta matéria é antiga, mas nunca tão atual. Foi publicada no JORNAL PORTAL BRASIL À época eu já era ex-conselheiro tutelar em Itaitinga, era membro ativo do Conselho estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente no Ceará – Cedca/CE e um dos coordenadores da Pastoral do Menor Regional NE 1/CE. Conheça o JORNAL PORTAL BRASIL em (http://www.jornalportalmpbrm.blogger.com.br/2004_06_01_archive.html).

A Lei Municipal que criou o Conselho Tutelar de Itaitinga, vergonhosamente proposta pelo executivo, aprovada pelo Legislativo sem pudores, e aceita pelo Ministério Público, o fiscal da lei, sem nenhum comentário de desaprovação, envergonhou os cidadãos conscientes do município, alterando de forma inconstitucional e desavergonhada o processo de escolha dos conselheiros tutelares, comprometendo com isto a própria missão do conselho e colocando em risco a Democracia, o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente e os próprios interesses da criança e do adolescente.

O ponto crítico da lei foi o artigo que possibilitou transformar o processo de escolha dos conselheiros em uma grande e cínica estratégia político-partidária visando fortalecer o poder político municipal. Esta lei possibilitou em um dos seus artigos, que não pudessem ser candidatos os cidadãos que estivessem filiados a partidos políticos. Ora, a Constituição Federal permite a todos o livre direito de associação, e a lei municipal insurgiu-se contra a Carta Magna, diante do silêncio daqueles que deveriam guardar-lhe e proteger-lhe a integridade.

Violada a Constituição Federal, silenciados seus guardiões, os chacais da noite puseram-se à vontade para executar o restante de seu macabro plano. O tal artigo da lei, passou então a ser aplicado, apenas, para os filiados aos partidos de oposição. Nunca foi o mesmo aplicado aos candidatos filiados aos partidos da situação, vide o caso do ex-vereador Ednardo, filiado a um dos partidos da situação e que não encontrou nenhum obstáculo para ser candidato, vencer e tornar-se conselheiro tutelar.

Defendendo os interesses da situação, nunca se pressionou, nem de forma sutil, os conselheiros escolhidos, para que se afastassem dos cargos públicos que ocupavam, ou mesmo de empresas privadas, como exige o ECA, permitindo-se aos aliados políticos, e somente a eles, que permanecessem nos cargos públicos que ocupavam, recebendo do poder público salários de funções acumuladas. Foi o caso de muitos que eram funcionários da Secretaria Estadual de Segurança Pública, do Fórum, das Secretarias Municipais, que nunca tiveram que optar por um dos salários, recebiam os dois. Mas... Se o servidor público era homem de oposição, tinha que optar sim, para ficar com um dos salários, mas tendo que trabalhar no conselho tutelar e na escola de origem, amargando a transferência para uma escola da periferia, impedindo-o de fazer seu trabalho no conselho tutelar.

A lei municipal fixa horários de funcionamento do conselho tutelar, como prevê o ECA. O horário especificado é de segunda a sexta-feira, das 8 às 17 horas. Mas para cumprir a jornada nos locais de origem dos servidores públicos, resolveu-se à revelia da lei municipal, fazer-se uma escala de trabalho do conselho tutelar, pela qual cada conselheiro dava no conselho um plantão semanal. Apenas um plantão semanal, contrariando a lei municipal, diante do silêncio de todos aqueles a quem cabia fiscalizar e aplicar a lei. A certeza da impunidade era tanta que o conselho tutelar chegou a imprimir um cartaz especificando os plantões semanais de cada conselheiro, e fixá-lo na porta do Fórum!

Crianças e adolescentes morriam por diarréias, pneumonias e outras doenças evitáveis. Faltavam tratamentos e medicamentos gratuitos. Morriam por fome e desnutrição, enquanto faltava merenda escolar. O hospital não fazia a identificação papiloscópica ou o teste do pezinho, nem colocava para atuar a Comissão de Prevenção aos Maus-Tratos. Aumentavam os índices de mortalidade infantil, de repetência e evasão escolar, mas o Conselho Tutelar alegava que o plantão semanal, onde cada conselheiro trabalhava apenas um dia por semana, era o caminho certo porque não havia em Itaitinga uma demanda que justificasse o trabalho de todos. E as autoridades, a quem cabia fiscalizar e aplicar a lei, permaneciam caladas.

No Ceará, a deputada estadual Tânia Gurgel, presidente da Frente Parlamentar pela Criança, afirmou recentemente que "compreender a missão dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, e dos Conselhos Tutelares, pressupõe aceitar que essas instâncias ao serem criadas pela legislação tiraram do poder público uma série de atribuições e tarefas. Essa inovação trazida pela legislação exige mudanças de postura, pois tirar poder não pode induzir a correlação de forças entre o poder público e a sociedade. É preciso - conclui a deputada - que se transforme a perspectiva de perder poder em ganhar aliados e cúmplices nessa incessante luta pelos direitos de crianças e adolescentes."

O ECA está a caminho de completar catorze anos, e o povo parece não ter percebido ainda, que o maior bem que ele nos trouxe, foi a possibilidade da participação popular nos conselhos tutelares e no de direitos de crianças e adolescentes. É a democracia participativa, instituída pela Constituição Federal e que o ECA, Lei Federal 8069, regulamentou. Foi instituída a participação popular nas instâncias administrativas, mas o povo não percebe isto e o poder público não o esclarece com medo da perda de poder.

Até quando, assistiremos calados e impassíveis, o que vem acontecendo nos conselhos tutelares do Ceará? O Conselho Tutelar de Fortaleza foi escolhido em meio a muitas denúncias de fraudes. O conselho tutelar de Fortim fechou no ano 2000, após um longo período em que os conselheiros trabalharam com os mandatos vencidos. Hoje está regularizado, mas os novos conselheiros escolhidos trabalham sem remuneração! Em Independência o mandato dos conselheiros tutelares venceu, mas foi prorrogado por outro período. Está vencendo novamente, e já se quer prorrogá-lo, outra vez, alegando-se a impossibilidade de eleições no conselho em ano eleitoral. Em Camocim, o mandato venceu, mas foi prorrogado por um ano! Em Itaitinga, o mandato venceu e servidores do Fórum local foram nomeados para as funções de conselheiros tutelares.

Até quando assistiremos impassíveis a este descalabro, a esta violência contra a democracia?

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Paulo Afonso, parabens por escrever matéria tão real e sincera sobre o Conselho Tutelar de Itaitinga e outros; quiçás não seja de todos os existentes. Realmente é inaceitável, revoltante mesmo! Vê tantos desmandos e descumprimento das leis de nosso país. Cada vez que tomo conhecimento de situações como estas tão bem expostas por voce, fico indignada com os políticos do nosso tão querido Brasil. Muitas vezes fico num canto pensando e perguntando: Será que estes políticos indígnos pensam que serão eternos? Que não têm alma? Que levarão toda a dinheirama com eles para o além? Misericórdia para todos. Espero que um dia eles se conscientizem que não são imortais. Zélia (Vieira e Paula)

Danielach disse...

Querido Paulo Afonso,
Hoje estou eleita primeira suplente do Conselho Tutelar de Itaitinga e pelo jeito que vai ainda não sei quando vou ter a oportunidade de assumir; saiba que também fico muito desapontada com essa triste realidade. Aproveito para dizer que admiro muito seu trabalho, você é uma fonte de inspiração para todos que que ainda teimam em manter acesa a chama da esperança.Parabéns pela matéria.

um abraço da amiga Daniela