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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Brizola, o engenheiro da democracia


É a vida. Uns chegando outros partindo. Felizes dos que partem com as malas cheias de muitas bagagens, das mil e uma realizações positivas que conseguiu produzir.

Comecei a conhecer a vida pública de Leonel de Moura Brizola (RS, 22/01/1922 – RJ, 21/06/2004), quando comecei a me interessar pela política nacional. Foi em 1961, na renúncia de Jânio Quadros. Para mim, a manchete da Última Hora: Jânio Renunciou, era o prenúncio do caos! Ficara com o coração apertado como se algo ruim estivesse para acontecer a todos nós, inclusive a mim, naqueles dias.
Acompanhei sua luta pela legalidade, pelo estado democrático de direito, para garantir a posse de João Goulart na presidência da república. Acompanhei sua coragem, querendo liderar a resistência militar quando Jango foi posteriormente deposto pelo golpe militar de 1964.
Veio para nós, a longa noite da ditadura militar. Prisões ilegais, desaparecimentos, tortura institucionalizada, assassinatos e a expulsão, o desterro de cidadãos pelo simples fato de pensarem diferente. Para ele o exílio, a cassação dos direitos políticos. Toda sua memória, seus feitos, sua luta por democracia e liberdade, foram banidos do país, junto com ele. Os abutres que dominaram o país e o submeteram àquela lúgubre ditadura, impediam que se falasse nele, e nos demais que com ele estavam exilados.
Foram vinte e um anos de escuridão. Mas a sociedade derrubou a ditadura. Lentamente, minando-a aqui, ali. Muitos foram mortos. Outros carregam ainda hoje os traumas, as marcas físicas e psicológicas da tortura. Mas finalmente, raiou novamente sobre nós o sol da liberdade, com seus raios fúlgidos. Passei a ver todos os dias, na televisão, as imagens de grandes líderes que retornavam com muita emoção ao país. Festa nos aeroportos. Milhares de pessoas iam recebê-los. Eu, a tudo assistia de casa.
Até que anunciaram o retorno de Leonel Brizola, que desembarcaria no Rio de Janeiro, no Aeroporto Internacional do Galeão, hoje Tom Jobim, pois Galeão é a Base Aérea, de triste memória. Algo me empurrava para o aeroporto. Fui lá. Multidão. Imprensa, povo, faixas, cartazes, flores, lenços vermelhos, choro e risos se misturavam no ar. Ví de longe, mesmo quando ele adentrou o saguão do aeroporto e misturou-se com o povo distribuindo e recebendo abraços.

Fui embora com um sentimento bom. Tinha a certeza que o país iria mudar, caminhando democraticamente por caminhos mais justos e igualitários. Sabia das dificuldades. O país estava quebrado. Talvez cinquenta anos fossem preciso para levantá-lo, mas a chegada de Leonel Brizola, com tantos outros nomes expressivos, seria a solução.
Digo tudo isso com emoção, porque sinto que estive presente, toquei as páginas da história, fiz parte dela, ajudei, à meu modo a escrevê-la. Nunca fui seguidor de Brizola, jamais votei nele ou me filiei ao seu partido. Aliás votei nele para vice-presidente quando ele disputou na chapa com o Lula. Mas reverencio sua memória, pelo grande brasileiro que foi. Amante da democracia, da liberdade. Sessenta anos dedicado à vida pública e morreu pobre, porque sempre honrou seus compromissos e os cargos públicos que lhe confiaram.

Na primeira eleição, após a ditadura ele era candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro. Eu estava construindo o PT, recém fundado. Tínhamos nosso candidato, Fernando Gabeira, outro brasileiro e exilado ilustre. As urnas mostraram a vitória de Brizola, que no fundo me deixou feliz. Foi uma revolução no Rio de Janeiro. Dignidade e cidadania, coisas esquecidas, após a ditadura, voltaram a fazer parte do vocabulário popular. As polícias tiveram que ser reeducadas, para encarar o povo como cidadão, não mais como subversivos em potencial. Os morros fizeram festa, ainda não dominados pelo narcotráfico.

Vim conhecê-lo após ter deixado o governo. Fui levar uma encomenda ao apartamento de uma pessoa, amiga de minha família, na Av. Atlântica. Já vinha descendo, no elevador, quando este pára em determinado andar, e nele entra, sozinho, camisa esporte, paletó folgado, sobrancelhas marcantes, Leonel Brizola. Talvez, percebendo minha surpresa, abraça-me e fala comigo como se nos conhecêssemos desde crianças. No térreo aguardavam-no dois seguranças que o seguiram até o carro.
Mas para mim, a maior revolução foi na área da educação. O secretário de educação foi Darci Ribeiro, outro grande nome de brasileiro ilustre, exilado. Outro que tinha muito a contribuir ao país, mas que ficou vinte anos fora, impedido de participar do crescimento do seu país. Muita gente lembra de Darci Ribeiro como o construtor do sambódromo. Grande idéia que misturou arquibancadas do samba e escola pública. Mas para mim, foi a construção do CIEP a sua maior obra. Obra interrompida pelo final do mandato de Leonel Brizola. Outros governos que vieram depois, não continuaram a construção de novos CIEPs, como estava previsto. Se todas as escolas públicas deste país, como pensavam Darci Ribeiro e Leonel Brizola, tivessem se transformado em um CIEP, a nossa história hoje, seria outra.
O CIEP previa educação de qualidade, em tempo integral, professores com bons salários, alimentação para todos e lar, isso mesmo, moradia no local, com mães sociais, uma família, para meninos e meninas de rua.

Hoje, as homenagens fúnebres. Poucas, por mais que se faça, para quem merece muito mais. Homenagens que tomam conta do Brasil inteiro, principalmente Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Brasília. Muitas homenagens estão chegando do exterior. O reconhecimento do mundo, àquele que fez sua parte.
No entanto, a homenagem mais justa, seria chegar amanhã ao Rio de Janeiro, e ver um CIEP, um Brizolão, com o seu nome: Governador Leonel de Moura Brizola. Seria o reconhecimento, o atrevimento, a coragem da comunidade escolar, usando a cidadania que ele tanto pregou, para render-lhe esta derradeira, singela e justa homenagem. Quem se atreve a começar?

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